Vã será a poesia se passar
ao largo do humano labor
do braço que parte a lenha
do suor do trabalhador.
Vã será a poesia que não contempla
da solidão, o anseio e a dor
e não penetra profundo
nas eminências trágicas do amor.
Vã será a poesia que se perde
pelas nuvens do céu
sem colocar os pés no chão
sem mudar da realidade, o fel.
Vã será a poesia que não penetrar
nos segredos do mundo
sem sentir da eternidade
o largo, o imenso, o profundo.
Buscar a essência
mergulhar no espiritual
que transfigura o viver
vã será a poesia
que não se arrisca
lapidando palavras
desnudando o ser.
Eita que a palavra é um corisco!
acendendo a noite escura
incendiando com seu brilho
a mata cerrada, enigmas de verde
cipós e faíscas consumindo nexos
reberberando no ar.
É a palavra corisco
que incendeia mentes e corpos
cavalgando as montanhas
da emoção.
No teu ouvido eu lanço a palavra
e ela incendeia teu coração
agitando o corpo
no mistério da paixão.
Dez anos a singrar mares
ó marinheiro
nas ondas revoltas da poesia
mais que o canto de um
bordo aventureiro
mais que uma estranha
algaravia
eu sigo cruzando os mares
e o sol é quem me guia.
Andarilho incansável vou caminhando
e paisagens descortinam-se diante dos meus olhos
momentos, belos momentos de comunhão
com esta ardente natureza nordestina.
O mar está bravio e a ressaca o agita
é um organismo vivo e mortal
a atacar os paredões de pedra da beira-mar
ondas se elevam e explodem selvagens
não respeitam os limites do concreto armado
construídos pela civilização
Blocos de pedra são jogados no calçadão
e o paredão não resiste e desmorona
às investidas brutais do mar
(embriagado de beleza e de instinto)
socos potentes a desferir
seus golpes de fúria lunar.
O mar se assemelha à natureza humana
àquela loucura revolucionária e rebelde
que vez em quando se manifesta
lançando homens ébrios de poder
em escaramuças e guerras sem fim
com seus destroços fumegantes.
No oceano eu antevejo a paixão
que brame sem limites
como um ser enfurecido buscando a liberdade
ou como um homem embriagado de amor
por uma mulher que o rejeita
e se arma com todas as armas
para enfrentá-la, conquistá-la
e até morrer.
Somos muito pequenos diante da mãe natureza
e enquanto ondas gigantes caminham
contra o continente
a lua cheia desponta esplendorosa
no céu da tarde opalescente que se finda
a lua nos suspende do chão
da razão a nos seqüestrar
Namorados se beijam, se abraçam
fazem a imaginação borbulhar
a noite chega com todo seu fulgor
a lua emite uma réstea de luz
que se reflete no mar.
O que espero? O que desejo?
anseio por viver de novo aquela paixão
aquele sentimento que convulsiona
esta natureza lúdica
este mar verde com seus caudais
este ser apaixonado e selvagem
que luta contra o cinturão de pedra
que a mão do homem
ergueu na Beira Mar.
Eu bebo poesia
não preciso de cerveja
nem uísque
nem cachaça
ignóbeis substâncias
que tornam a matéria crassa.
Eu bebo, sim
da fonte da poesia
e como complemento
basta a água
branca, humilde, casta e fria
Por que preciso de embriaguez?
Para que esta vã besteira?
Eu bebo os poetas
suas palavras
seus signos
que eles lançam contra os desavisados
seu corredores secretos
suas emoções misteriosas.
sim, eu bebo estes poetas
da poesia eu bebo
e docemente me embriago.
As ruas da melancólica Fortaleza
se estendem sob meus pés cansados
alço vôo sobre ti ,minha cidade
e te contemplo em etérea visão
a beleza do azul
encantamento do mar
miséria em cada bolsão
crianças emagrecidas
estendem as mãos
em cada sinal sou assaltado
pela minha indignação
em meu espírito a divisão
é semelhante ao
mar encapelado pelo vento
ondas arrebentando nos corais
na eterna luta natural dos elementos
a Ponte Metálica invade o oceano
divide este mar que acende a paixão
e o sol vai mergulhando
trágico
no domingo
da nossa dor.
Pombos fazem revoadas
no céu desta cidade árida
eles me fazem desejar
a liberdade dos seres alados
e a cidade se estende
com seus braços asfaltados
envolvendo prédios velhos e sujos
torres modernas e arrojadas
como recortes coloridos
feitos por um artista arbitrário
e os pombos voam ariscos
no céu desta cidade
que não merece
a harmonia estampada no azul.
Nostalgia do Açude do Cedro
das fazendas
escondidas no meio do agreste
das caminhadas no leito do Jaguaribe
(leito seco com seus vastos areais)
com toda a secura e calor
a ressecar nossos lábios sedentos de amor.
O sertão nos põe em contato
com a Natureza
com o silêncio
com a noite povoada de estrelas
o chão árido e a cascavel
o gado ruminando
(lento e dorminhoco)
o som dos chocalhos
o cheiro forte dos currais
a corrida do cavalo
e o vaqueiro no meio da caatinga
a emoção a galopar.
Quando o inverno chega
o sertão é metamorfose viva
toda a natureza entra em festa
tudo fica verde e buliçoso
as borboletas voam aos milhares
os pássaros cantam
o açude sangra
e o cheiro do inverno
perfumado penetra fundo
em nossas narinas
todo o universo em transe
na fertilidade que se espalha pelos sertões.
A cidade me acorda
me faz sair do sonho
o automóvel estremece brutalmente
agredido pelo asfalto esburacado
paro no sinal e crianças esquálidas e desvalidas
correm ao meu encalço
sou oprimido pela cidade
os pombos fazem revoada
eles me fazem desejar a harmonia
estampada no azul.
I
Não existe dezembro mais belo no mundo
que dezembro em Fortaleza
o mar é uma festa
as ondas se erguem
como muralhas verdes
em por de sol alucinante
enquanto as velas coloridas
singram a enseada do Meireles
e a telúrica praia de Iracema.
II
Não existe pôr de sol mais belo
que o pôr de sol na Ponte Metálica
as ondas estremecem as estruturas
aos nossos pés
os namorados ali se encontram
e os violões plangentes
são tocados por mãos enlevadas
dos jovens que curtem e cantam
pelo prazer puro de celebrar.
III
Ondas gigantes se formam
e centenas de surfistas
se lançam ondas abaixo
em alta velocidade
passando ao largo dos pilares
da Ponte Metálica.
e quando o sol está se pondo
surge um grito de alegria
espontâneo
das tribos de Alencar
quando o mar se agiganta
os surfistas dão o seu
grito de guerra
e se lançam todos
céleres pelas ondas havaianas
que se formam no Ceará.
IV
A Ponte Metálica é lugar
de encontro dos amantes
que se beijam com sofreguidão
esquecidos do mundo e do luar
eles sentem-se perdidos de paixão
e não sabem onde estão
nem onde o destino os irá levar
para vivermos no mundo
com a necessária plenitude
temos de sentir o sol
em nossa pele penetrar
V
E mergulharmos de cabeça nas ondas
sermos sempre aventureiros
pois até para encontrar Deus
temos que apostar
e andarmos sem bússola
cruzando os mares da vida
e de repente nos deparando
com o largo, o imenso e o profundo
sem fita métrica para medir
e sem ter onde se segurar
no destino azul da marinhagem
seguindo pela Ponte Metálica
nos lançando em barcos ao mar.
Livro de poesias Sentimento Oceânico
Lançamento: 2015
Editora: Armazém da Cultura